Famoso episódio da morte do irmão do Reinhold Messner

Mensagem enviada pelo Claudio França, para a lista de e-mail do GRAAL,
em 16/5/2009.
grande abraço
andré

Pessoal,

Acho que todos conhecem o Reinhold Messner, considerado o melhor Alpinista de todos os tempos. Acho que só quem rivalizou com ele foi o Jerzy Kukuczha, que também escalou as 14 montanhas com mais de 8.000 metros que existem. Só que ao contrário do Messener que foi o primeiro homem a conquistar esse feito, Kukuczha fez isso escalando todas as montanhas no inverno ou por rotas inéditas.

Messener escreveu vários livros e ficou mundialmente famoso. No entanto, no meio de tantas conquistas, o que mais marcou sua históriafoi o acidente que envolveu a morte de seu irmão.

Achei na net uma história abreviada e em português falando do acidente e transcrevo aqui para a galera do Graal.

O texto pertence a Rodrigo Bulhões e segue abaixo:

Como eu ia dizendo, apesar de já curtir a vida ao ar livre há muito tempo, eu comecei a me interessar por montanhismo após ler o livro "No Ar Rarefeito" do John Krakauer, sobre a tragédia no Everest em 1996, quando um mal tempo tirou a vida de várias pessoas e deixou outrastantas com vários membros amputados ou feridos.

Procurando me informar sobre a história do montanhismo, fui conhecendo Sir Edmund Hillary, Tanzing Norgay, Eric Shipton, Andrew Irvine, George Mallory, etc., e me deparei com uma figura realmente ímpar:Reinhold Messner.

Ítalo-austráico, Messner nasceu no Tirol, e os Alpes e as Dolomitas italianas viraram o playground onde desenvolveu sua técnica...

Messner foi o primeiro cara a subir o Everest sem oxigênio, juntamente com Peter Habeler, assim como o primeiro a escalá-lo em solo, ou seja,sozinho, sem a ajuda de carregadores sherpas, e também sem oxigênio.

Ele também fez história ao ser o primeiro a escalar todos os picos com mais de 8.0000 m no mundo, 14 no total, todos sem oxigênio suplementar. Na face sul do Aconcágua há um pedaço final de uma via aberta por ele batizada de Variante Messner. Ou seja, o cara é escroto.

Messner tem uma filosofia de isolamanto nas montanhas. Ele não usa chapeletas, bolts ou outras proteções fixas, e se não puder escalar sem estes apetrechos, não escala. Da mesma forma, nunca escalou com uso de oxigênio suplementar, e se não conseguir escalar sem oxigênio, ele volta. Ele acha que carregar um telefone celular para a montanha é uma roubalheira. Carregar um aparelho destes seria destruir o sentimento de estar isolado e exposto que Messner diz buscar nasmontanhas.

Dessa forma, Reinhold Messner tornou-se como um Pelé do montanhismo. Mas existe uma estória que pode manchar sua reputação. Há uma montanha no Himalaia paquistanês chamada Nanga Parbat. A facebatizada de Rupal é uma das maiores paredes alpinas do mundo.

Karl Maria Herrlingkoffer liderou uma expedição em 1970 onde Reinhold e seu irmão mais novo, Günther, tentariam subir a face Rupal do Nanga Parbat, sem oxigênio nem cordas (!), principalmente para diminuir o peso e aumentar a agilidade, descendo por uma rota ao norte da faceDiamir, oposta à face Rupal.

Messner conta que após terem feito cume, em 27 de junho, seu irmão começou a ser acometido pelo mal da altitude e estava muito debilitado para descer pela escarpada rota de descida, principalmente pelo fato de não terem corda. Depois de um bivaque em temperatura abaixo de zero seguido por um episódio controverso no dia seguinte, onde Messner supostamente pediu aos gritos a outros montanhistas distantes para que ajudassem seu irmão sem obter resposta, eles decidiram que sua única chance de sobreviver seria seguir descendo pela íngreme e para eles então desconhecida face Diamir. De quebra, se eles se dessem bem, ainda teriam feito a primeira travessia completa do Nanga Parbat.

De acordo com Reinhold, perto do fim da descida, ele se adiantou cerca de uma hora do seu irmão Günther, acreditando que o pior já tinha ficado pra trás. Depois, fora de sua visão, numa área perto da parte baixa da face Diamir, Günther desapareceu no que Reinhold supôs ser uma avalanche. Ele não conseguiu encontrar sinais do seu irmão. Golpeado pelo sofrimento de perder o irmão, Reinhold desceu aos trancos e barrancos pelos dois próximos dias até chegar à segurança doVale Diamir. Essa é a sua versão.

Acontece que em agosto de 2005, após um período de calor incomum, o glaciar da face Diamir derreteu e encontraram um corpo de um homem com botas de couro Lowa, acessório que se tornou obsoleto em meados dos anos 1970 em função das botas plásticas. Analisando-se os outros pormenores, concluiu-se que era um escalador que devia ter morrido no início dos anos 70, provavelmente Günther.

Amanhã eu conto a versão dos outros membros da expedição de 1970 e a grande polêmica da acusação de Messner ter abandonado o irmão namontanha.

Se a estória tivesse acabado ali, a potencial descoberta do corpo de Günther não teria chamado a atenção fora do círculo pessoal do próprio Messner. Mas a saga de Messner no Nanga Parbat sempre foi mais do que uma estória de sobrevivência. Também é um mistério desafiador, assim como a semente de um amargo conflito entre Messner e vários dos seus 18 companheiros da expedição gêrmanico-austríaca que viajaram para o Paquistão.

Alguns meses depois do fim da viagem a tensão entre Messner e o líder da expedição Karl Maria Herrligkoffer, alimentadas pelas versões conflitantes do que realmente aconteceu a Günther, eclodiram numa série de processos judiciais. Messner acusou Herrligkoffer de homicídio casual culposo e por ter negligenciado ajuda a seu irmão, enquanto Herrligkoffer acusava Messner de calúnia e difamação. O resultado do julgamento não resolveu as asperezas das fundamentações, e, após um período de aparente calma, a rixa reiniciou-se em 2001, quando Messner criticou duramente seus antigos companheiros em público, dizendo que eles não se preocuparam em procurar pelos dois desaparecidos e por terem falhado em prestar assistência em uma emergência. Para montanhistas como eles, cuja lealdade para com seus camaradas supõe-se ser suprema, foi o maior insulto imaginável. Nos meses subsequentes, Messner concentrou seus ataques tanto na mídia alemã, quanto em seu livro The Naked Mountain (A Montanha Nua), de 2002, onde ele se utiliza de um estilo sonhador semi-alucinógeno para descrever seu atordoamento e angústia quando seus companheiros não se empenharam no resgate.

Revoltados pela afronta, quatro dos companhiros da expedição ao Nanga Parbat vieram individualmente com versões pessoais do acontecido. Depois de mais de 30 anos de silêncio, Hans Saler, Gerhard Baur, Jürgen Winkler e Max von Kienlin apontaram o que eles chamaram de enormes discrepâncias na estória de Messner. Von Kienlin e Saler teorizaram que Reinhold se separou de Günther perto do cume com o objetivo de empreender um ambniciosa e premeditada travessia solo. Segundo Baur disse a repórteres, Messner tinha inclusive planejado com antecedência a travessia no acampamento base. The Naked Mountain, disseram os seus companhiros, foi uma tentativa de rever a estória etirar o seu da reta.

E a coisa piorou. Em 2003, o livro explosivo de Saler, Between Light and Shadow: The Messner's Tragedy on Nanga Parbat (Entre Luz e Sombras: A tragédia dos Irmãos Messner no Nanga Parbat) apresentou várias teorias alternativas de como Günther poderia ter morrido, nenhuma delas compatível com a estória de Messner. No mesmo ano, von Kielnin publicou sua própria versão, The Traverse: Günther Messner's Death on Nanga Parbat - Expedition Members Break Their Silence (A Travessia: a Morte de Günther Messner no Nanga Parbat - Membros da Expedição Quebram o Silêncio).

Saler, que agora está com 58 anos de idade e é um guia de montanhismo em Pucón, no Chile, e von Kienlin, um barão de 71 anos baseado em Munique, ambos especularam que a travessia histórica de Messner não foi feita por um desejo emergencial de salvar seu irmão, e que Günther nunca acompanhou Reinhold pelo Glaciar Diamir. Em vez disso, apresentam sua posição de que Reinhold tomou um caminho diferente do seu irmão perto do cume e desceu a Face Diamir em solo, enquanto Günther seguiu voltando em direção da mesma rota de subida. Conjecturaram que Günther deveria ter morrido num bivaque em elevada altitude, ou numa queda. Talvez ele nem estivesse sofrendo do mal da altitude e simplesmente escolheu voltar pela face Rupal - sozinho. Saler disse em 2003 que por trás da estória de Reinhold deve existir uma grande mentira. Kienlin acrescenta que os membros da equipe resolveram falar para defender a honra dos companheiros que já não podiam se defender, já que seis dos dezoito membros já estão mortos.

Dessa forma, a controvérsia se tornou a briga mais extraordinária da história moderna do alpinismo - uma contenda sangrenta que gerou mais de uma dúzia de ações judiciais, incontáveis ataques e contra-ataques, uma teoria de vingança (originada de um romance entre Messner e a esposa de von Kienlin após a expedição), e várias tentativas de Messner em achar Günther e inocentar-se. Messner disse em 2003, já após várias viagens ao Nanga Parbat para vasculhar o terreno, que poderia tomar-lhe 10 ou 30 anos, mas que ele tinha que achar o corpo de Günther, pois não haveria outra forma de salvar sua reputação.

Finalmente, em julho de 2005, dois guias paquistaneses disseram ter encontrado um esqueleto a cerca de 4300 m, uma hora acima do acampamento base da Face Diamir, perto de onde Messner acreditavaestar Günther.

Continua amanhã.

Os guias fotografaram os ossos, botas e roupas do corpo e deram um jeito de mandar um recado para Messner. Em alguns dias a informação chegou no Schloss Juval, seu castelo do século 13 nas montanhas no Tirol do Sul, no extremo norte da Itália. Depois de ver as fotos, Messner disse ter poucas dúvidas: a bota e o casaco pareciam ser deGünther.

Nesse meio tempo, Messner já tinha programado uma viagem ao Nanga Parbat em agosto, quando ele guiaria um grupo de trekkers numa trilha em volta do maciço e iria vistoriar uma escola que ele estava ajudando a construir. Um repórter freelance alemão e um fotógrafo foram convidados para acompanhá-lo.

Em 26 de agosto, juntamente com seus 14 trekkers e os dois jornalistas, Messner já estava ao sul do Nanga Parbet, a três dias de caminhada do ponto onde o corpo havia sido encontrado. Seu estado deespírito era tanto severo quanto empreendedor.

"Depois de 35 anos de espera, eu podia esperar um pouquinho mais", ele disse a um dos editores da revista Outside, Rob Buchanan, que por acaso estava numa expedição por perto, e que foi atrás de Messner e o encontrou em Tap Meadow, uma campina abaixo da Face Rupal. Era hora do chá e Messner estava numa barraca bagunçada com seus amigos trekkers em volta. Estava bem vestido e arrumado, exibindo sua marca registrada, uma cabeleira desarrumada do tamanho de uma capacete. "Quem poderia imaginar que eu abandonei meu irmão lá em cima?", disse."Ninguém faria isso - não é um comportamento humano!".

Em 29 de agosto, quando encontroou os restos do corpo, Messner estava jubilante. "Es ist mein bruder!", declarou emocionado. Os calçados eram a prova. Uma bota Lowa Triple, que leva esse nome por causa da camada dupla de feltro colocada dentro da casca robusta de couro, que era o equipamento padrão da equipe de 1970. Além disso, um detalhe pessoal - uma laçada num cordão perto do dedão do pé, usado para prender as alças dos crampons - combinava com a forma como Messner tinha preparado suas botas.

No dia seguinte, o médico do grupo de trekking, um anestesiologista de Munique chamado Rudolf Hipp, colheu amostras de tecido para os exames de DNA que Messner iria fazer quado voltasse à Europa. A bota e os ossos do pé foram guardados; Messner os levaria de volta pra casa. Depois, remexendo a vanglória que lhe ajudou a fazê-lo a primeira pessoa a escalar todos os 14 picos de mais de 8.000 m do mundo - um feito que ele completou sem ajuda de oxigênio complementar - Messner tomou uma atitude: cremou os restos do corpo no acampamento base do grupo. Fosse realmente o corpo de Günther, ou de outra pessoa, a maiorparte dele se foi pra sempre.

Seguindo uma tradição Tibetana, Messner e sua equipe construíram um chorten, um pilha retangular de pedras, como um monumento a Günther. Depois, jogou as cinzas do irmão na direção da montanha. Poucos diasdepois, levou a bota e os ossos do pé de volta pra casa.

"Quando eu segurei os restos do meu irmão nas minhas mãos, eu tive um sentimento forte como a dor fantamsma de um amputado", disse Messner em setembro depois de ter retornado a Schloss Juval. Ainda, o osso achado estava tomando vida própria, desafiando coisas simples como umfinal feliz ou paz ou mesmo a lógica, e sua voz era urgente e raivosa.

"Agora eu tenho uma prova. Está além de mim", ele disse. "A estória está clara e finalizada!".

Mas, incrivelmentem, a estória não terminou ainda, e provavelmente nunca vai acabar, já que os mistérios parecem desafiar uma resolução através de um único pedaço de evidência. Apesar das proclamações de vitória de Messner repercutirem em todo o mundo - ESCALADOR É ABSOLVIDO DE TER ABANDONADO SEU IRMÃO, era lido na manchete do The Times de Londres - seus detratores ainda tinham muitas perguntas nãorespondidas.

"Achar o corpo de Günther não prova nada além do fato dele ter morrido em algum lugar da Face Diamir", disse Saler. "Nós ainda não sabemosnada sobre como Günther morreu."

Os críticos acharam um ultraje o fato de Messner ter assumido o direito de queimar um corpo não identificado antes de promover testes conclusivos de DNA. Os ossos, argumentavam, poderiam ser de qualquerum dos 12 montanhistas que se perderam na face oeste do Nanga Parbat.

O resultado dos testes de DNA ajudaram Messner. Em 21 de outubro, Messner deu uma conferência no Insituto de Medicina Lega de Innsbruck, Áustria. Lá, o biólogo molecular Walther Parson e outros especialistas laboratoriais disseram aos jornalistas que haviam comparado o DNA recolhido de um osso do dedão do pé de Günther com o DNA de Messner e de seu irmão mais novo Hubert. O osso era "acima de qualquer dúvida razoável" de um irmão de Messner, ele anunciou. O laboratório concluiu que o osso tinha uma probabilidade 17,8 milhões de vezes maior de serde Günther do que não.

Mesmo assim a disputa não terminou. Os companheiros de expedição de Messner não questionaram os resultados dos testes de DNA. Mas o fato de achar o corpo de Günther, eles reiteraram, não resolvia nada por si mesmo. Günther podia ter perecido de uma queda perto do cume, ou na parte alta ou média da Face Diamir, e não em direção à parte baixa, onde Messner diz ter visto seu irmão pela última vez. De fato, declarou Saler, se Günther tivesse morrido no terço baixo da face, aproximadamente entre 4.500 m e 5.000 m - como Messner descreveu o local - Saler acredita que os restos do corpo teriam sido achados muito abaixo dos 4.300 m (onde foi dito ter sido descoberto), já que o movimento do glaciar carregaria o corpo 1500 m ou mais no período de 35 anos.

Em uma coisa Saler e Kienlin tinham que dar o braço a torcer: suas teorias sobre a morte de Günther na Face Rupal não se provaram verdadeiras. Mas sua conjectura sobre a Face Rupal, eles sustentavam, era apenas uma das várias possibilidades que eles apresentaram, e, na visão deles, Messner tinha se agarrado a uma demasiada simplificaçãoque se ajustava às suas necessidades.

Numa declaração durante o último verão europeu, von Kienlin escreveu que Messner tinha "injustamente declarado repetidamente" que "a descoberta do corpo na Face Diamir é uma prova de que ele está certo" e que seus críticos "haviam mentido". "Essa é uma inverdade cuja intenção é causar confusão e enganar o público". Ou, como disse depois"Messner não dará respostas diretas e francas aos jornalistas".

Em romances policiais, respostas diretas são encontradas quando alguém se confronta com um pedaço de evidência que não esperava. Mas nenhuma investigação deu ou pode dar uma prova segura nesse caso. Não houve testemunhas na morte de Günther, e a última pessoa a vê-lo vivo - um homem exausto, privado de oxigênio, sem água, comida, saco de dormir ou abrigo numa montanha himalaica de 8.125 m - foi o próprio Messner. Até a descoberta do corpo de Günther em 2005, a única evicência que parecia ser ameaçadora era uma alegada - e controversa - nota escrita à mão descrita no livro que Kienlin lançou em 2003, The Traverse. A "confissão" em uma página registrada por von Kienlin e datada de 4 de julho de 1970, com o propósito de documentar uma conversa entre Messner e von Kienlin num quarto poeirento de motel em Gilgit, Paquistão, logo antes do angustiado Messner ter voltado pra casa. Durante a conversa, Messner supostamente disse que não esteve com Günther em nenhum momento após o cume.

"Eu perdi Günther", a nota alegadamente dizia. "Por horas eu fiquei gritando por ele. Eu não sei porque, mas ele não me ouvia. Ele estavaindo muito mal. Ele não conseguiu. Talvez tenha caído".

Em seu livro, Kienlin diz ter avisado Messner de que Herrligkoffer, o líder da expedição, "não receberá com muita simpatia a [sua] decisão de descer pelo outro lado. Von Kienlin disse a Messner que ele precisaria prestar contas trasparentes sobre a travessia para confortar seus pais proteger e sua reputação. Imediatamente após o lançamento dos livros de saler e von Kienlin em maio de 2003, Messner foi à Justiça. A tal nota de von Kienlin, alegava Messner, era uma fraude driada após a expedição, enquanto o livro de Saler era um "conto de fadas". Em julho de 2003, Messnerconseguiu uma medida cautelar temporária contra os editores dos livros de Saler e von Kienlin. As duas companhias foram obrigadas a fazer alguns pequenos ajustes nos livros: por exemplo, novas edições do livro de von Kienlin não poderiam levar a reprodução do famigerado bilhete na contracapa. Como parte da pendenga, von Kienlin também foi obrigado a contratar um perito independente especialista em esdrita à mão para atestar a legitimidade e idade da nota. O especialista contatado por von Kienlin concluiu em 2004 que havia uma probabilidade de que o documento fosse legítimo, mas no último verão europeu a côrte ordenou uma segunda análise cujos resultados ainda não foram anunciados.

Enquanto isso, enturvando ainda mais as águas, Messner apresentou o motivo do ataque de Kienlin: "Ele perdeu sua mulher pra mim."

Essa última parte definitivamente é verdadeira. Ursula Demeter e Messner se enamoraram no começo dos anos setenta, quando Messner, durante a recuperação da amputação de alguns dedos do p´s, estava hospedado no Shloss Erolzheim, o castelo de von Kielin no sul da Alemanha. Depois do divórcio de Demeter e von Kienlin, ela e Messner ficaram casados entre 1972 e 1977.

Mas será que von Kienlin ainda guarda algum rancor no coração? Em 2004, quando lhe fizeram essa pergunta, o Barão - usando uma gravata de sêda pintada a mão e fumando um cigarro - afastou despreocupadamente a teoria de ciúmes de Messner. "Se eu quisesse vingança", disse, "eu teria agido muito tempo atrás".

Quando confrontado novamente em setembro de 2005 para que comentasse o fato de terem achado os restos do corpo de Günther, ele tinha novas teorias, uma clara indicação de que essa batalha não vai terminar tão cedo.

"Messner tem amigos no Paquistão; ele investiu em uma escola lá; eles podem ter ajudado a transportar o corpo", disse von Kienlin, descascando uma série de dúvidas que ficavam mais misteriosas enquanto ele as proferia. "Porque somente uma bota foi recuperada no Paquistão?" ele indagou. "Onde está a outra bota?Será que ela não poderia ser do próprio Reinhold?"

"Reinhold diz que o local onde ele deixou seu irmão é um local extremamente perigoso - então porque, afinal, ele deixou seu irmão ali sozinho?" continuou von Kienlin. "Reinhold diz ter recuperado sua honra ", ele disse. "Mas porque, se afinal ele abandonou Günther?"

A estória da última escalada de Reinhold e Günther juntos começou em 1969, quando os dois irmão tirolêses foram convencidos a aceitar um convite para juntarem-se a uma equipe que tentaria a primeira ascensão da Face Rupal no Nanga Parbat, uma montanha conhecida por ser assassina.

Reinhold era um bem sucedido escalador nos Alpes, determinado a fazer uma carreira no montanhismo. Günther - reticente, devotado e deferente ao seu irmão mais velho - era um talento a ser desenvolvido. Ele e Reinhold, parte de uma família de nove crianças, tinham crescido no Vale Vilnö, nas Dolomitas italianas, cercados por penhascos formidáveis e paredões que se tornaram seu local de treinamento - e sua rota de escape do autorismo de seu pai. Eles estreitaram os laços após um incidente ocorrido quando Reinhold tinha 13 anos.

"Eu encontrei meu irmão amedrontado escondido num canil", ele escreveu em The Naked Mountain. "Nosso pai, durante uma de suas crises de ira, tinha espancado Günther tanto com o chicote para cães que ele não podia nem andar." Daquele momento em diante os dois se tornaram parceiros de escalada e aliados, unidos contra "as injustiças do mundo".

Entre os outros membros do grupo havia escaladores de elite: Saler, Gerhard Baur, Felix Kuen, Peter Sholz, e Jürgen Winkler, um fotógrafo. O delicado von Kielnin tinha oferecido uma contribuição em dinheiro para ser incluído.

O líder era o taciturno Karl Maria Herrligkoffer, então com 54 anos, que já havia organizado seis expedições ao Nanga Parbat. (Ele se desenvolveu uma obsessão pela montanha depois que seu meio-irmão, o escalador Willy Merkl, juntamente com outros oito, morreu no come em 1934.) Ele também havia comandado a expedição de 1953 na qual o dissidente escalador Hermann Buhl - desafiando os pedidos de Herrligkoffer de que ele voltasse ao acampamento base - fez a primeira ascenção com volta bem sucedida do Nanga Parbat, um solo rápido e leve acima do campo alto na Face Rakhiot. Herrligkoffer não ficou nada satisfeito com o impulso rebelde de Buhl. Messner, por sua vez, idoloatrava o espírito dissdente de Buhl.

Mas em 26 de junho de 1970, não havia nenhum desafio ou desacato evidente. No alto da montanha, os irmãos Messner e Baur se assentaram no Campo 5, esperando por um foguete de sinalização vindo do Acampamento Base. Se Herrligkoffer atirasse um foquete azul, significava tempo bom, e a equioe deveria tentar cume no dia 27. Se lançasse um foguete vermelho, significava tempo ruim, e Reinhold tentaria uma arremetida solo ao estilo de Buhl.

A Rádio Peshawar reportou bom tempo, então Herrligkoffer soltou um foguete, mas por engano lançou o vermeljho, e não o azul. Primeira falha.

Vendo isso, Messner começou a subida pouco depois das 02h00, sem equipamento para um ataque leve e rápido, para evitar o presumido tempo ruim. No nascer do sol, quando Günther e Baur instalavam a corda para ajudar no retorno de Reinhold, Günther fez algo impulsivo - o segundo problema crucial que levou à tragédia.

Baur, agora com 58 anos, produtor de filmes de aventura na Bavária, lembra como Günther impacientemente largou a corda e seguiu rapidamente para o Couloir (canaleta, corredor) Merkl, uma faixa de gelo de 600 m, para alcançar seu irmão. Foi a última vez que alguém além de Reinhold o viu.

Continua amanhã.

Messner diz que primeiro ficou irritado, mas depois ficou alegre por ver um Günther ofegante - ele tinha conseguido o espantoso feito de escalar a face escarpada, na altitude, em menos de quatro horas - apareceu para o ataque final. Os irmãos alcançaram o cume por volta do pôr-do-sol, apertaram as mãos e começaram a descer. Imediatamente, Günther começou a ficar pra trás, prejudicado pela sua subida extremamente rápida. Günther estava preocupado em voltar pela íngreme e escarpada face Rupal, achando que seria muito perigoso. Ele sugeriu a descida pela Face Diamir.

Lentamente Messner foi absorvendo a idéia, ele escreveu em The Naked Mountain. A Face Diamir parecia ser a única forma de sair do aperto - os irmãos não tinham barraca, fogareiro, comida ou sacos de dormir. ("Você acha que eu seria tão louco que planejaria atravessar o Nanga Parbat sem um fogareiro?" Messner diria mais tarde. "Eu não sou estúpido!").

Na descrição de Messner, eles desceram cerca de 250 m na Face Rupal em direção à Falha Merckl, uma divisa em fenda batizada em homenagem ao meio-irmão de Herrligkoffer. A partir dali, Messner poderia se espreitar pelo Couloir (canaleta, corredor) Merckl - a rota que eles haviam utilizado na manhã anterior. Os irmãos bivacaram na falha em temperaturas baixas como - 40º. Na manhã seguinte, segundo Messner,Günther estava delirando. O irmão mais velho diz que ele começoua gritar por ajuda às 06h00. Cerca de três horas depois, ele viu Kuen e Sholz no Couloir Merckl, indo em direção ao cume. Messner diz ter gritado em direção a Kuen pedindo ajuda e uma corda, mas estava muito vento, ele estava gritando por sobre um penhasco, e Kuen estava cerca de 100 m distante. Kuen e Scholz subiram mais um pouco e Messner tentou de novo. Günther já estava fora de vista da dupla; Kuen não sabia onde ele estava.

"Vocês dois estão bem?" Kuen gritou.

"Sim! ,Está tudo bem," Messner respondeu, no que se tornaria um dos quebra-cabeças centrais da disputa. Porque, os companheiros de equipe de Messner o desafiariam mais tarde, ele não sinalizou a dificuldade dos dois?

É impossível conseguir uma versão de Kuen e Sholz, pois os doismorreram, Kuen em 1974 e Scholz em 1972. Mas, de acordo com Messner, os dois irmãos estavam relativamente bem: eles estavam vivos, apenas precisando desesperadamente de uma corda.

Messner diz que depois tentou convencer Kuen e Sholz a escalarem na sua direção, mas Kuen achou que a parede escarpada e cheia de cornijas seria suicida. Então, pensando que os irmãos estavam realmente Ok, Kuen e Sholz continuaram em direção ao cume, deixando Messner à sua própria conta, em total desespero.

O que quer que tenha acontecido, do ponto de vista de um escalador é difícil entender porque os irmãos Messner, com Günther tão doente, iriam deixar a segurança de uma rota conhecida, com cordas fixas, acampamentos, e a eminente chegada de dois companheiros na face Rupal.

"É ilógico," argumenta Saler. "Se você subiu um edifício alto pelas escadas e chegou exausto no teto, você não desce pela parede externa."

Mas conforme a colocação de Messner, seus companheiros se motivaram a "inventar" estórias sobre eles por invejarem seu sucesso. Ele acrescente que eles não têm direito de julgar suas decisões no NangaParbat porque eles não estavam lá com ele e não têm idéia do que ele estava passando. "Como eles podem saber a verdade?" ele perguntou em setembro a um jornalista.

Na versão de Messner, ele e Günther bivacaram na segunda noite a cerca de 6.000 m, num trecho conhecido como Mummery Rib (Costela Fantasia). Na manhã seguinte, 29 de junho - seu terceiro dia sem abrigo ou água - Günther só conseguia seguir aos tropeções junto com Reinhold. Messner andava à frente atavés dos seracs de um flanco tendente a avalanches.Ele estava a mais de uma hora à frente de Günther quando chegou a um ponto onde o glaciar vertia água. Ele se sentou para beber e esperar pelo irmão.

Messner diz que quando viu que Günther não aparecia, ele trilhou de volta a montanha. A despeito de um dia e noite tensos procurando e chamando por seu irmão, ele achou somente sinais e detritos de avalanche. Pelos próximos poucos dias, Messner iria descer hesitante até cruzar com aldeões, que o ajudaram a chegar na estrada. Em 3 de julho, seis dias após ter feito cume, ele encontrou os veículos da expedição partindo com a equipe e foi resgatado.

A morte de Günther foi "onde tudo acabou e onde tudo começou", Messner escreveu em The Naked Mountain. Durante muitos anos depois, "eu ainda experimentava o sentimento de que a distância crescente de estar nas montanhas era como um sentimento de ter sido abandonado; como um tipode dissociação. Talvez isso tenha ocorrido poorque ninguém possa enfrentar nem sobreviver a tal solidão sem sofrer danos permanentes."

A rixa começou praticamente de imediato após a expedição. Em julho de 1970, Messner estava ainda num hospital austríaco, com uma jarra de sete dedos do pé em seu criado-mudo, quando reclamou em um artigo num jornal local que Herrligkoffer, um médico, não havia tratado seus enregelamentos de forma apropriada.

Herrligkoffer retaliou em uma revista semanal alemã, na qual descreveu Günther como "muito fraco para uma tentaiva de cume" e honrou Felix Kuen e Peter Scholz, que alcançaram o cume no dia seguinte aos irmãos Messner.

Com a argumentação se intensificando, Messner acusou Herrligkoffer de ter abandonado os dois irmãos e tê-los deixados para morrer; Herrligkoffer disse numa conferência pública que Messner havia "sacrificado seu irmão em troca de suas ambições no montanhismo"; e Messner, em 1971, arquivou o processo por homicíco cuploso e "abandono de ajuda", o primeiro de pelo menos uma dúzia de ações legais em que ele e seu antigo líder proporiam e depois arquivariam um contra o outro.

Messner perdeu o primeiro caso - assim como todos os outros. Herrligkoffer, enquanto isso, ganhou o processo por difamação e quebra de contrato contra Messner, que violou um acordo de direitos de publicação ao escrever um livro sobre a expedição de 1970, The Red Rocket on Nanga Parbat (O Foguete Vermelho no Nanga Parbat). Em relação à questão de difamação, Messner foi proibido de afirmar que Herrligkoffer tenha falhado com ele e com Günther.

Depois da morte de Herrligkoffer em 1991,a batalha se acalmou momentaneamente, mas voltou à vida em 4 de outubro de 2001, quando Messner foi convidado a falar num encontro em homenagem à publicação da biografia de seu antigo desafeto, Herrligkoffer. No meio de suas observações, ele jogou uma bomba.

"Eu estou hoje dizendo que o fato de não ter ido até o Vale Diamir não foi o erro de Herrligkoffer - teria seido mais um erro dos outros membros da expedição," ele anunciava à frente de câmeras de TV. "Alguns deles, mais velhos do que eu, não ligaram nem um pouco para o fato dos dois irmãoes Messner não terem aparecido," ele disse. "E essa é a tragédia".

Gerhard Baur e Jürgen Winkler estavam na platéia, pasmos. Estaria Reinhold sugerindo que eles deveriam ter se apressado a procurar por cerca de 150 km os irmãos, cuja localização era desconhecida?

"Por anos o inimigo foi Herrligkoffer," Winkler declarou mais tarde. "Mas naquele dia Messner deu uma volta de 180º contra a equipe."

Até agora, Messner era uma celebridade que havia transformado seus feitos em um império, tornando-se uma personalidade na TV, representante corporativo, autor de verca de 40 livros, e membro do Partido Verde no Parlamento Europeu. Então, quando a primeira salva de tiros aconteceu em maio de 2002 - uma carta aberta de Saler condenando Messner por "distorcer a verdade" - a nota tornou-se notícia nos jornais, foi reproduzida em vários outros jornais alemães e na Web. "Especialmente você, Reinhold, está em dívida com a equipe," por sua "absoluta lealdade durante os últimos 32 anos, mas pela qual você não tem nem um única boa palavra," Saler escreveu. "Eu estou convencido de que seu irmão teria chegado ao Acampamento Base se você tivesse ficado na Face Rupal e pedido ajuda."

Um ano depois Saler e von Kienlin iriam publicar seus livros e Messner iria processá-los judicialmente. Enquanto isso, Messner preparava um ataque retaliatório: em abril de 2004 ele convocou uma conferência com a imprensa em Innsbruck para anunciar que a fíbula de Günther tinha sido achada durante uma jornada que ele havia feito na Face Diamir em 2000. Segundo a descrição de Messner, Hans Peter Einsendle, um amigo seu, tinha descoberto o osso não muito longe de onde os guias paquistaneses iriam achar os restos do corpo de Günther cinco anos depois. Messner tinha levado a fíbula de volta para casa e a guardado.

Depois, no outono de 2003, ele repentinamente levou o osso para o Laboratório Austríaco Central de DNA, em Innsbruck, para testes. "Não existe nenhuma dúvida razoável" de que o osso pertence a um irmão de Messner, disse para a conferência com a imprensa em 2004 o patologista Walther Parson enquanto Messner - o epítome da elegância selvagem - observava.

"Isso demonstra que tudo o que eu disse é verdade, e eu considero o caso encerrado," Messner disse após a conferência.

Mas seus críticos não ficaram convencidos. Eles não acreditavam que os testes de DNA fossem conclusivos por si só. O osso, eles acrescentaram, poderia ter vindo de qualquer parte e sido colocado na montanha no local onde Messner dizia tê-lo encontrado.

Estranhamente, em oposição, Messner fez o mesmo tipo de acusação, dizendo que temia que seus antigos companheiros de equipe estariam vasculhando o Glaciar Diamir procurando por ossos e oferecendo pagamento aos moradores locais para que o fizessem também. O objetivo de seus detratores, ele disse, seria plantá-los na Face Rupal.

Ouvindo isso, eu imaginei uma versão alpina do filme Maldição do Tempo, com Bill Murray, em que Günther sai de novo do gelo todo ano, e as acusações de calúnia e traição continuam.

Na Alemanha a luta continua. Messner, furioso com a "campanha de assassinato" contra ele, recentemente anunciou no jornal alemão Der Spiegel que ele estaria se juntando com o premiado cineasta de Munique Joseph Vilsmaier para produzir um documentário sobre o "crime" cometido contra ele.

O que seus companheiros de equipe farão agora?

"Nós vamos procurar esse cara que está fazendo esse filme e dizer, 'se você realmente quer fazer um documentário, você terá que mostrar os dois lados,' diz Saler. "E nós iremos apresentar a ele nossa versão da estória."

Von Kienlin, por sua vez, diz se recusar a exagerar em suas declarações da forma como Messner o faz. "Ele se coloca numa situação tão ridícula que acaba prejudicando a si próprio," ele disse. "O silêncio é melhor do que falar idiotices. Tudo está totalmente exagerado. Ele quer que as pessoas sintam pena dele."

Depois von Kienlin fez uma pausa. "Talvez eu escreva outro livro sobre as coisas que aconteceram depois que The Traverse foi escrito," ele disse. "Mas talvez não. Falar é de prata, mas o silêncio é de ouro."

Enquanto isso, em conferências à imprensa em Islamabad, Paquistão, em 4 de setembro último, e em seu castelo, em 8 de setembro, Messner levantou a bota de couro, alegando ser a prova, e se referiu a seus companheiros de expedição como schafsköpfe (literalmente cabeças de ovelha) que foram "trapaceiros miseráveis, mentirosos, e criminosos."

"O que eles fizeram comigo foi exatamente o que os alemães fizeram com os judeus - nenhuma diferença!" ele relatou à revista austríaca News. "Eles pegaram minha reputação e cuspiram nela!"

Ele foi perguntado se a descoberta do corpo de Günther iria acabar com a sua angústia e com a rixa.

"Não, nunca acabará," ele replicou com raiva. Depois de um monólogo a passo rápido de cerca de 40 min., ele reclamou com os jornalistas por terem acreditado nas "mentiras" de seus companheiros, fez declarações contra a esperteza de Kienlin, e contra o Clube Alpino Alemão por ter deixado Saler e von Kienlin fazer uma conferência na sua "casa sagrada."

Então, porque ele queimou os restos mortais?

"Para que ninguém vá até lá e leve os ossos até o outro lado da montanha!" ele gritou. "É por isso que queimamos tudo! Essas pessoas têm uma energia criminosa impressionante!"

Valeu galera!

Um comentário:

  1. Fala ai, galera! Gostei do post de vocês. Inclusive linkei seu blog no meu novo blog que é sobre o Reinhold Messner a url é http://lendareinholdmessner.wordpress.com/ , acessa lá.

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