Entrevista Paulo Macaco - Uma lenda na escalada no Brasil!

Luiz Paulo repassou para a lista.

Entrevista Paulo Macaco - Uma lenda na escalada no Brasil!

Figura fácil de ser encontrada na Pedra do Urubu e arredores nos anos 80 e 90, Paulo Bastos, o "Paulo Macaco", foi um dos principais responsáveis pela importância que aquele bloco às margens da estrada que leva ao Pão de Açúcar veio a ter para o desenvolvimento da escalada esportiva. Na verdade, Paulo teve grande importância para a própria escalada esportiva em seus primórdios, quando ela ainda se encontrava em busca de uma identidade própria, além de ter sido um dos primeiros a se dedicar ao bouldering com um afinco que só nós dias atuais tornou-se corriqueiro.

Primeiro escalador negro a atingir tal patamar de projeção, seu estilo inconfundível – uma rara unanimidade entre os escaladores cariocas daquela época – serviu de fonte de inspiração para muitos, ainda que talvez ninguém tenha atingido tal nível de elegância ao se movimentar na rocha. Estilo que pode ser sintetizado pelo nome por ele escolhido para uma de suas mais marcantes realizações, o bloco Expressão Corporal, hoje graduado em VIIIc mas originalmente um IXa, um dos primeiros do país.

Paulo Macaco também parece ter sido o primeiro escalador carioca a ter patrocinadores que lhe proporcionavam dinheiro suficiente para se manter, ainda que precariamente, além de generosas quantidades de material que ele, com igual generosidade, repartia com os seus amigos da micro-sociedade da Pedra do Urubu, parceiros de farras e de escaladas.

Infelizmente, sua carreira foi interrompida abruptamente pela AIDS, que apesar de hoje estar inteiramente sob controle graças aos modernos tratamentos, deixou uma seqüela dramática: Paulo Macaco, está completamente cego. Mas nem este nem outros rudes golpes pessoais, como a perda, em um mesmo ano (1998), da companheira e do seu único filho aos 13 anos de idade, meses antes de descobrir a sua própria doença, foram capazes de diminuir o entusiasmo com que Paulo se refere à escalada.

Paulo, como e quando você começou a escalar?

No final de 79 um amigo me chamou para fazer uma caminhada ao Perdido do Andaraí, num domingo. Aquilo foi tão impactante para mim que eu voltei a subir a montanha direto, todos os dias, com outros amigos. Depois eu vi um filme sobre o Eiger e disse: "é isso o que eu quero fazer!". Aí o irmão daquele meu amigo, já em 1980, me chamou para subir a Pedra da Gávea, e quando cheguei à Praça da Bandeira (grande clareira na trilha) vi uns escaladores fazendo a Passagem dos Olhos. Fiquei ali sentado, quase três horas, esperando eles descerem e pedi o endereço de um clube, e eles, apesar de serem do Carioca (Clube Excursionista Carioca), me deram o endereço do CEB (Centro Excursionista Brasileiro).

Então no início você se filiou a um clube?

Sim. A ida à Gávea foi num domingo e na segunda-feira à tarde eu já estava no CEB, mas encontrei tudo fechado. Fiquei então sentado na porta até às 7 horas, quando o clube finalmente abriu. Lá eu fiz um curso, mas fiquei no clube apenas cerca de um ano e meio, pois eu tinha o maior medo de chaminé e um guia de lá me disse que eu tinha que desistir da escalada, porque não dava para aquilo.

Falaram isso para você? (risos)

Falaram que eu era muito medroso, que não levava jeito porque tinha muito medo de chaminé (risos). Saí até chorando do clube, mas aí o Mário Arnaud soube o que aconteceu, disse que ia me mostrar uns blocos na Reserva do Grajaú e me jogou no caminho: me mostrou o Lance do Americano, o Oitavão, aí eu vivia na Reserva.

Você então passou a se dedicar ao bouldering, não? E qual a sua maior realização nesse campo?

O Olhos de Fogo, na Reserva do Grajaú. Por volta de 1985 o Marcello Ramos me mostrou o bloco, que me pareceu impossível, mas depois de muito trabalho – uns três meses tentando – consegui fazê-lo em janeiro de 86, talvez o primeiro IXa do Brasil feito por um brasileiro. Aí em 87 veio o Godoffe (Jacky Godoffe, famoso escalador francês), que quebrou uma agarra-chave no crux e eu então falei: "Agora sim ficou impossível de fazer esse bloco!". Mesmo assim eu fiquei quase dois meses tentando muito, fiquei com a ponta dos dedos em carne viva, mas finalmente consegui fazer o lance sem a tal agarra. Antes disso o bloco não tinha nome, mas quando eu o fiz desta vez estava tão irado, com os olhos tão vermelhos, que o Marco Vidon, que estava comigo, disse: "você está com os olhos vermelhos que nem fogo; posso dar o nome de ‘Olhos de Fogo’ para o lance?", e eu então disse que concordava.

Você foi um dos freqüentadores mais assíduos da Pedra do Urubu na época de sua maior importância, quando muitas vias, então feitas em top rope, foram equipadas e depois guiadas. Fale um pouco sobre como você vivenciou esse momento.

Ela foi um marco na minha vida, porque ali antes era um bloco que só tinha artificiais. Então eu, Serginho (Sérgio Tartari), Alexandrinho (Alexandre Portela), Marcelinho (Marcelo Braga), Poyares (Sérgio Poyares), Katinha (Kátia Ribeiro) e outros começamos a colocar top rope no Urubu Capenga, depois no Urubunda, depois no Urubu-Rei... Aí veio o Bruno (Bruno Menescal), que grampeou as vias para depois começarmos a guiá-las.

Você foi um dos primeiros escaladores a ser patrocinado e conseguir viver de escalada. Como foi isso que isso se deu?

A maioria desses patrocínios foi conseguida através do Mozart Catão, do Bruno Menescal e do Jacky Godoffe. Tinha a Au Vieux Campeur, a Boreal, a Spy – um fabricante de óculos –, a Cantão, a Montcamp...

E dava para viver de escalada?

Dava para sobreviver. Eu ganhava uma quantidade muito grande de material, que parte distribuía para os amigos e parte revendia, mas em espécie só ganhava da Montcamp.

Você nunca teve vontade de se dedicar à escalada tradicional? Como você via escaladores como Serginho e Alexandrinho?

Via como uma coisa excepcional. Eu tinha vontade, admirava, mas era muito preguiçoso (risos). Preferia aquela coisa bem light, não gostava muito de caminhar...

Alguém te serviu como fonte de inspiração?

Muitos serviram. O Serginho Tartari me ajudou e me influenciou muito, o Marcelinho também.

As primeiras competições no Brasil ocorreram quando você se encontrava em plena atividade. Você participou de muitas? Você gostava delas?

Gostava. Tinha umas pessoas que escalavam e achavam que não era legal competição, mas eu gostava de competir e cheguei a ganhar algumas.

Depois que começou a sua luta contra a doença, você continuava a pensar na escalada?

Pensava, mas eu estava muito debilitado, pois cheguei a pesar 38 quilos. Fiquei internado por três meses, depois por mais sete, mas sempre com vontade de escalar, até porque muitos escaladores foram lá me visitar, como o Hillo.

O Hillo te deu muita força, não?

O Hillo foi um amigo que me visitou quase todos os dias. Nos momentos mais difíceis, em que eu mais precisava, ele estava do meu lado, ali. Uma vez eu perguntei: "Hillo, como é que você entrou no hospital se a visita acaba às 5 horas e é uma da manhã?" Aí eu descobri que ele havia solado uma parede de tijolos na lateral do Hospital da Lagoa até o sétimo andar, com meia jaca na mochila! O Hillo conviveu muito comigo na Urca solando, solos suicidas.

Conte-nos alguns, por exemplo.

A gente solava no Urubu, nos Ácidos, no Babilônia, só com magnésio e bota pra solar, solar, solar... Num final de tarde entramos no M-2, mas quando chegamos no crux não conseguimos fazê-lo e tivemos que voltar desescalando à noite! Eu falei: "Hillo, caraca maluco, se a gente voar daqui a gente vai morrer!" O Roda-Viva também, muita loucura... Solos não muito difíceis tecnicamente, mas expostíssimos, e as botas não eram boas como as de hoje em dia... Solamos o ADN também, mas para descer foi uma encrenca... Eu gostava de solar, mas tinha um limite também. O Ácido Fórmico, por exemplo, que você conquistou, eu tentei solar, ele estava na garganta. O Serginho botou a maior pilha, mas eu ia até o crux e voltava. Eu olhei a base, calculei a queda, e o Serginho disse: "Se você cair vai se machucar, mas não muito!". De fato, a base era plana, tinha aqueles matos, né? Ia me machucar mas não ia me danificar muito, porém a razão falou mais alto que o coração. Quando você tira a corda e o baudrier a história é outra, completamente diferente...

Alguém mais te deu apoio nos momentos mais difíceis deste período?

O Chiarelli, a Rosângela... O Caliano também me deu muito apoio: ele chegou uma vez num momento em que eu estava na cama todo sujo de fezes, sangue, cateter, tubulação e eu então falei: "Pôxa, Caliano, eu estou todo imundo aqui, tira a mão de mim", e ele disse: "Meu irmão, tu não vai ficar assim não", e me levantou e me limpou. Foi uma coisa que marcou a minha vida.

Exceto pela falta de visão você está bastante bem agora, felizmente. Você pensa em voltar a escalar?

Penso, mas não em rocha, porque eu até já tentei, mas não dá. Certo, nada é impossível, mas até andar na rua é complicado para mim e a rocha tem muito desnível. O que dá para escalar é em muro, porque é plano.

Soubemos que você está escrevendo um livro. Sobre o que é ele?

Sobre a minha vida, desde a minha adolescência até quando eu viver. Não é só sobre escalada, não. Quando eu morrer, o livro acaba. Estou gravando em fitas e um amigo depois vai editar.

Com base na sua experiência de escalada e de vida, que mensagem você daria para os novos escaladores?

Se você não colocar Jesus em primeiro lugar, tudo dará errado na sua vida. Pode até aparentemente dar certo, mas sempre vai ter problemas. Ele é um apoio, um alicerce. Quando você coloca Jesus no coração, você passa a ser um discípulo Dele, que era um cara humilde, simples, solidário, generoso, qualidades que um homem tem que ter, porque às vezes na vida você está de pé mas não sabe o dia de amanhã, você pode cair. E se você não tiver um alicerce forte, que é Jesus, a queda é muito grande e às vezes você não consegue mais se levantar. Veja o meu caso: se eu não estivesse agarrado a Deus, meu irmão, seria impossível eu estar alegre, aqui e agora, nessa entrevista.

Por André Ilha
Publicado na revista Headwall nº8 -nov/dez de 2003
Para quem quiser ajudar Paulo Macaco, faça uma doação nesta conta:

Paulo C. Bastos
Banco Bradesco
AG. 0226-7
Conta Poupança - 1006182-2

Anderl Heckmair

Chê mandou pra lista.

Anderl Heckmair

Nao lembro se mandei esse texto pra lista antes, mas acho que nao, e apensa uma pequena parte de um es calador muito foda e pouco conhecido, pela gente.

Lider do quarteto austro-alemão que conquistou a Face Norte do Eiger em 1938, faleceu na Baviera aos 98 anos.

Desde aquela historica tentativa de 1938, a primeira que chegou com exito ao cume pela Face norte, o nome Anderl Heckmair (Alemanha, 1906), ficou ligado para sempre a imponente Face Norte do Eiger, a mais temida dos Alpes. Junto aos seus tres companheiros de aventura, Harrer, Kasparek e Vörg, o guia alemão logrou o que tanto havia sonhado e buscado no decorrer de muitos anos e tentativas, uma grande ascensão que lhe colocase na historia do alpinismo.

Diferentes destinos

Depois da conquista e da condecoração de Hitler (obrigado pelos tempos que vivia a Alemanha, mas nunca aceita) o destino dos quatro alpinista correu diferentes caminhos: Vörg e Kasparek morreram (o primeiro combatendo na Polonia em 1941 e o segundo ao cair numa fenda no gelo no Salcantay - Perú); a odisséia de Harrer no Tibet (prisioneiro britânico, fuga para Lhasa e finalmente confidente pessoal do Dalai Lama), é hoje conhecida pela sua obra "Sete anos no Tibet".

E Anderl?

Anderl seguiu escalando e fazendo montanha, e também sonhando com as montanhas, pois algumas delas, como os gigantes do Himalaya, nunca teve diante de si. Nos Alpes retomou algum daqueles grandes problemas que outros se adiantaram (Walker em condições semi-invernais, em agosto de 1951), alem disso se empregava como guia durante o pós-guerra e a escalar em diversas partes do mundo.

Vencer ou morrer

Em seu livro os Três ultimos problemas dos Alpes (que é considerado como sendo o Antiigo Testamento do Alpinismo clássico), Heckmair recorda com nostalgia as origens e o explendor da escola de Munique, que mais que uma escola propriamente dita eram pequenas agremiações de escaladores mais ou menos associados com o Clube Alpino Alemão.

Se foram os Ingleses (com nomes míticos como: Winpher, Murmmery, Yuong e Ryan), os suiços e os franceses (com guias lendários como Knubel, Lochmatter e Carrel), que deram os primeiros passos nos Alpes, seriam os alemães, austríacos e italianos que dominariam o terreno nas decadas de vinte e trinta. Conquistados todos os grandes cumes europeus, o objetivo logico dessa Segunda idade do ouro consistiu claro, em escalar as paredes mais difíceis, praticando um alpinismo extremo, cujo lema era "Vencer ou morrer". Aos elegantes cavaleiros do Clube Alpino Britânico e os ilustres guias suiços e franceses sucederam os jovens germanicos desfarrapados que peregrinavam em suas estropiadas bicicletas em busca dos últimos santuários de rocha e gelo dos Alpes.

A morte era moeda comum e corrente naquela época, o óbolo com que os aldazes alpinistas teutônicos pagavam pôr sua ousadia. Em ocasiões, seus corpos nem sequer eram enterrados: Heckmair conta como encontrou, disseminados aos pés da parede sul da Drusenfluh, vários cadáveres de escaladores que haviam despencado tempos atras, com o descaso proprio da juventude, Heckmair chamou os cadaveres de "postes indicadores", e emprendeu sem vacilo a escalada, junto com Hans Brehm. Era a decima cordada a tentar a via, e ambos romperam o feitiço que pesava sobre as cordadas de dois que atacavam aquela parede, pois anteriormente, todas haviam desaparecido na Drusenfluh.

Heckmair tinha uma agenda apertada, nos fins de semana escalava, as segunda e terças descançava, Quarta ia ao enterro de algum dos escaladores mortos durante o fim de semana. A naturalidade com que os muniquenses lidavam com a morte chegava ao ponto de ser durante os funerais que discutiam o que iam fazer no fim de semana, as quintas e sextas, Heckmair se dedicava a preparar o material para a proxima escalada. Não é estranho que o ajuntamento de munique decidira prescindir de seus serviços.

O jovem montanhista não parecia preocupar-se muito com seu futuro. A única coisa que que lhe enquietava era o tempo que restava a frente, já havia feito trinta anos e todavia não havia realizado nenhuma escalada de verdadeiro renome. Em 1931 os irmãos Toni e Franz Schmid haviam vencido o Face Norte do Cervino, e em 1935 Peters e Maier escalaram a monumental parede Norte das Grandes Jurasses. So restava as paredes de primeira magnitude a Norte do Eiger e o Esporão Walker.

O Eiger

Com seus mil e oitocentos metros de parede a Face Norte do Eiger (Ogro para os alemães), forma um aterrorizande paredão de Rocha calcarea que atrai como um imã nuvens e tormentas. Sua localização muito proxima a um pequeno hotel permite que os curiosos obervem com seus telescopios o lento avanço dos escaladores. Os desastres se sucederam durante decadas, mesmo depois de sua conquista, os homens lutavam e morriam agarrados no ambar branco, corpos ficavam pendendo no vazio como pequenos insetos, durante anos.

Quando Heckmair decidiu tentar a sorte, o Eiger havia devorado muitos dos melhores alpinistas da época: Mehringer e Sedlmayr em 1935, Angerer, Reiner, Hinterstoisser e Toni Kurz em 1936. Um ano depois, Hans Rebitsch e o proprio Vörg se converteram nos primeiros renanos que o Eiger deixor escapar com vida. Ante o perigo mortifero da parede, e o enorme perigo que corriam as expedições de resgate, o governo suiço proibiu as ascenções, mais o veto só serviu para atiçar mais a vontade dos escaladores. Em 1938, Heckmair (que também havia sobrevivido no ano anterior a uma tentativa com Theo Lesch) e Vörg se encontravam em um verdadeiro de rocha e gelo, outras duas cordadas também estavam lutando em um nevero, Mas ante o primeiro sinal de mal tempo, Heckmair e Vörg decidiram retirar-se e passaram a noite em Alpinglen, onde uma multidão se reunia diante das lunetas para observar a luta das outras duas cordadas contra o Ogro. Pela manhã, uma das equipes se retira e Heckmair e Vörg regresam a parede com animos renovados. Quando alcançam Harrer e Kasparek, quase espontaneamente a rivalidade entre as duas cordadas se transforma em uma aliança indestrutível, em um centauro e quatro braços e pernas, sem duvida nenhuma a cordada de quatro mais celebre do montanhismo. Com seu instinto infalível Heckmair abre caminho, Vörg faz a segurança, Harrer e Kasparek vão atras carregando o material mais pesado nas mochilas e recuperando os pitons. Nas ultimas enfiadas, Heckmair cai ao vazio varias vezes, Vörg lhe segura sem vacilar, mas em uma dessas quedas o grampom de Hackmair atravessa a mão de Vörg, Heckmair tira de sua botiva um estimulante cardíaco, da metade a seu companheiro e bebe a outra. E se lança de novo as rampas de gelo finais do Eiger.

Perdido na metade da noite, exausto depois de três dias e duas noites de escalada na parede, golpeado pôr aludes e avalanches de pedra, Heckmair esta a ponto de cair no outro lado da montanha, quando um grito de Vörg o detem, conseguiram, estão no cume. Atras ficaram passagens que deixam arrepiados os cabelos de gerações de alpinistas, como letanía, ninho das Golondrinas, travessia Hinterstoisser, bivaque da morte, travessia dos deuses, aranha....

LENDA - Eigerwand ("A parede do Ogro") - Muito Bacana

Gustavo mandou pra lista.

EIGER

A ÚLTIMA LENDA DOS ALPES

por Jean-Claude RAZEL
Chamonix-São Paulo

No final dos anos trinta, com a evolução das técnicas de escalada, algumas montanhas tornaram-se acessíveis para os melhores alpinistas da época. Piton, mosquetão e sobretudo crampões com dentes frontais abriram novos horizontes para que franceses, alemães e italianos se lançassem freneticamente numa disputa pelas primeiras conquistas.

Rapidamente, o desafio se cristaliza ao redor de 3 montanhas, ou melhor, 3 faces nortes especialmente impressionantes: O Matterhorn nos Alpes do Valais perto de Zermatt, os Grandes Jorasses no maciço do Mont Blanc em Chamonix, e o Eiger no Oberland perto de Interlaken.

Último a ser vencido, o Eiger - em alemão o "Ogro" - é sinistrosamente famoso: Até 1937, nenhum dos alpinistas que o enfrentara voltou vivo...

O nascimento de uma lenda:

Se o Eiger criou toda uma lenda, não foi à toa e sim devido a uma situação única:

Em primeiro lugar, o Eigerwand ("A parede do Ogro") é muito imponente: 1600 metros de verticalidade, numa mistura violenta de rocha instável e de gelo. Suficiente para atrair os mais audaciosos.

Segundo, essa austeridade contrasta radicalmente com os pastos muito acessíveis e quietos que o cercam, e pela a facilidade da ascensão das outras faces da montanha, todas vencidas no século XIX .

Finalmente a construção do trenzinho até o "Jungfraujoch" (3400 m) terminada em 1912 aumenta ainda mais a acessibilidade: a estação "Kleine Scheidegg" em frente à parede, oferece hotéis confortáveis com quartos equipados com binóculos que permitem uma observação precisa da montanha e a evolução dos alpinistas. Ademais, esse trem sobe por um túnel dentro da montanha. Durante a construção foi feito um buraco para evacuação dos materiais a mais ou menos um terço da base da parede. Esse buraco teve um papel fundamental nas histórias de salvamento.

Assim parece que, se os deuses das montanhas fossem ótimos diretores de teatro, o Eiger não seria muito diferente do que é. Só faltavam os atores para uma grande tragédia do mais puro estilo.

Nessas tragédias e até a vitória, os alemães foram bastante ativos na conquista do Eigerwand e foi com justiça que conseguiram a primeira ascensão. É preciso dizer que o alpinismo alemão, tradicionalmente forte, estava muito ativo naquela época a tal ponto que as grandes façanhas foram largamente utilizadas como propaganda do governo nacionalista.

Descrição da via:

O Eigerwand pode ser dividido em 3 partes quase iguais em comprimento mas com certeza, não em dificuldade: O primeiro terço vai da base da parede (2200 m) até 2800 m. Não apresenta dificuldades. Hoje em dia os alpinistas nem usam corda para escalá-lo.

O segundo terço (até 3400 m) é formado por 3 bandas de neve sucessivas. Terreno sempre delicado, rocha instável e inclinação forte.

O final até o cume (3974 m) é um complexo sistema formado por rochas com muitos negativos e cortado ao meio pela banda de neve chamada "a Aranha".

A travessia Hinterstoisser:

Em julho de 1936, quando o forte escalador Andreas Hinterstoisser e 3 alpinistas de Munich e Innsbruck (Kurz, Angerer e Rainer, todos jovens e bem treinados) se reúnem em frente à parede, contavam-se 3 tentativas sérias, todas com final trágico. O "Ogro" já tinha uma reputação bem estabelecida de "comedor de homens".

Motivado por uma observação atenciosa da parede e confiando em seu instinto de alpinista, Hinterstoisser segue um itinerário totalmente inovador utilizando inteligentemente as fraquezas da parede. Por uma travessia oblíqua audaciosa (hoje chamada pelo seu nome) ele resolve de uma maneira magistral um dos pontos cruciais da via que consistia em atingir a primeira banda de neve. Mas essa façanha também representou a perda desses heróis: Porque - excesso de confiança ou erro de juventude - retirando a corda após a famosa travessia, os 4 se impediram um retorno.

Eles instalam o primeiro bivouac a 3200 m após 1000 m de ascensão. O dia seguinte nasce com sinais de tragédia: uma pedra atinge Angerer na cabeça, o que atrasa consideravelmente a progressão. Num terreno relativamente fácil, eles sobem só 300 m em um dia. O frio torna-se violento e este segundo bivouac é terrível.

No dia seguinte o tempo continua ruim e começa a nevar.

Para horror dos curiosos e jornalistas que observavam da Kleine Scheidegg, eles continuam subindo quando a única decisão razoável seria voltar ! Depois de 5 horas escalando e só 200 m de progressão, eles enfim tomam a única decisão correta. Mas é tarde demais e essa volta, vivida ao vivo e a cores pelos espectadores da Kleine Scheidegg, é dramática: Com um ferido, após 3 dias na face, neve caindo e um frio polar, eles progridem lentamente e mais uma noite de bivouac (o terceiro) é obrigatória.

De manhã o tempo piorou. Com muito esforço, horas e horas manipulando a corda rígida de gelo, sem comida e molhados até os ossos, eles conseguem chegar a travessia Hinterstoisser, e aí não tem como atravessar. O que levou 2 horas de trabalho intenso na subida quando Hinterstoisser estava em forma, torna-se impossível na descida devido ao cansaço e à película de gelo que havia encoberto todas as agarras. Hinterstoisser tenta e cai.

Neste momento eles estão a menos de 200 m do buraco da Jungfrojoch e escutam vozes dos socorristas. Enfim, vida... Mas a tempestade aumenta e mais um bivouac é necessário, desta vez fatal.

No dia seguinte, os socorristas conseguem se aproximar a 100 m dos alpinistas e descobrem que Hinterstoisser, Angerer e Rainer morreram sob uma avalanche de pedra. Só ficara o Kurz, sozinho, inatingível na parede. O seu equipamento foi levado para o abismo. A tempestade aumenta e os socorristas, em perigo de morte, voltam a se proteger no buraco. A noite cai.

De manhã, por mais incrível que pareça, Kurz ainda vive. Ele conseguiu recuperar um pedaço de corda e tenta descer até os guias que estão a 40 metros. Só falta passar um nó, que juntava dois pedaços de corda, pelo seu mosquetão. A 3 metros da vida, ele emprega as suas últimas forças nesta travessia. Tentou tudo mas estava muito fraco. E num grito, sucumbe.

Essa tragédia teve repercussões no mundo alpino inteiro. E o governo da Suíça chegou a interditar o acesso ao Eigerwand. Mas não contava com a determinação dos alpinistas. E no ano seguinte Vorg e Rebitsch de Munich, entre os melhores da época, atacam a parede. Com a experiência, eles deixam uma corda fixa na travessia Hinterstoisser para uma eventual volta. Rápidos, eles sobem até o fim do segundo terço quando a tempestade chega. Não existe outra opção. É preciso descer. Depois de mais de 100 horas na parede, os dois voltam à base da montanha, uma primeira ! Esse dia, o Eigerwand foi virtualmente vencido . Todos sabiam que 1938 traria a resposta do enigma da montanha.

Senhor Heckmaier:

Verão 1938: Os melhores estão de prontidão para ganhar a fama. Vorg continua na luta e se junta a Anderl Heckmaier, Rebitsch tendo partido para o Himalaia.

Heckmaier é um excepcional alpinista. Foi o primeiro a entender que o Eigerwand era uma face que apresentava a maioria das dificuldades do tipo glaciar e apenas algumas do tipo rochosa, e não o contrário. Ele convenceu Vorg a levar crampões com dentes frontais e uma boa reserva de pitões de gelo. Do ponto de vista do equipamento, isso foi a chave da vitória.

Com a experiência de Vorg do ano anterior e os dois em plena forma, eles atacam a escalada. Logo encontram e ultrapassam 2 austríacos, Harrer e Kasparek. Eles não estão tão bem preparados quanto os alemães. Mais estão determinados. No primeiro bivouac a 3400 m (o segundo para os austríacos), os 4 compartem uma plataforma minúscula.

No dia seguinte, eles resolvem continuar juntos, Heckmaier guiando. Enfrentando grandes dificuldades técnicas e por serem quatro, evoluem devagar. Mas a progressão é regular e à noite, a 3750 m, eles pensam ter vencido as maiores dificuldades.

Mas o Eigerwand é orgulhoso e não se deixa conquistar facilmente. A neve começa a cair no meio da noite e continua pela manhã. Na Kleine Scheidegg, a esperança se transforma em angústia. Na parede, as condições são terríveis especialmente as avalanches que caem com freqüência, ameaçando levar os alpinistas. Foi por sorte que nenhuma chegou a levá-los efetivamente. Heckmaier multiplica as acrobacias, cai várias vezes mais Vorg consegue segurá-lo. Uma pedra atinge Kasparek na mão. Só no final da tarde, durante uma tempestade, os 4 chegam ao topo, mais mortos do que vivos. Mas foi vencido o Eigerwand, e assim termina uma época: A época em que existiam nos Alpes faces que desafiavam os limites humanos.

Parte por causa da guerra e também por falta de protagonistas, foi preciso esperar 1947 para a segunda ascensão: A fulminante cordada francesa Terray e Lachenal, quebrando os recordes em 50 horas.

Ensinamentos:

Após esta conquista, ficou evidente que a velocidade não era apenas uma competição estéril entre os alpinistas. Ela representava, nessas vias expostas com retorno problemático, um elemento fundamental da segurança. As conquistas recentes no Himalaia em "técnica alpina" (contrariamente às "expedições pesadas"), decorrem diretamente dessas experiências.

Não foi possível contar todas as tentativas até a conquista nem as repetições marcantes. Uma pena, pois cada uma tem seu ensinamento, suas horas de glória e de drama. Basta dizer que até 1960 era preciso muita auto-confiança e sangue frio para enfrentar a parede. Ainda hoje, a face norte do Eiger, constitui um sério desafio para qualquer alpinista ambicioso. E isso aumenta ainda mais o respeito pelos pioneiros.

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