LENDA - Eigerwand ("A parede do Ogro") - Muito Bacana

Gustavo mandou pra lista.

EIGER

A ÚLTIMA LENDA DOS ALPES

por Jean-Claude RAZEL
Chamonix-São Paulo

No final dos anos trinta, com a evolução das técnicas de escalada, algumas montanhas tornaram-se acessíveis para os melhores alpinistas da época. Piton, mosquetão e sobretudo crampões com dentes frontais abriram novos horizontes para que franceses, alemães e italianos se lançassem freneticamente numa disputa pelas primeiras conquistas.

Rapidamente, o desafio se cristaliza ao redor de 3 montanhas, ou melhor, 3 faces nortes especialmente impressionantes: O Matterhorn nos Alpes do Valais perto de Zermatt, os Grandes Jorasses no maciço do Mont Blanc em Chamonix, e o Eiger no Oberland perto de Interlaken.

Último a ser vencido, o Eiger - em alemão o "Ogro" - é sinistrosamente famoso: Até 1937, nenhum dos alpinistas que o enfrentara voltou vivo...

O nascimento de uma lenda:

Se o Eiger criou toda uma lenda, não foi à toa e sim devido a uma situação única:

Em primeiro lugar, o Eigerwand ("A parede do Ogro") é muito imponente: 1600 metros de verticalidade, numa mistura violenta de rocha instável e de gelo. Suficiente para atrair os mais audaciosos.

Segundo, essa austeridade contrasta radicalmente com os pastos muito acessíveis e quietos que o cercam, e pela a facilidade da ascensão das outras faces da montanha, todas vencidas no século XIX .

Finalmente a construção do trenzinho até o "Jungfraujoch" (3400 m) terminada em 1912 aumenta ainda mais a acessibilidade: a estação "Kleine Scheidegg" em frente à parede, oferece hotéis confortáveis com quartos equipados com binóculos que permitem uma observação precisa da montanha e a evolução dos alpinistas. Ademais, esse trem sobe por um túnel dentro da montanha. Durante a construção foi feito um buraco para evacuação dos materiais a mais ou menos um terço da base da parede. Esse buraco teve um papel fundamental nas histórias de salvamento.

Assim parece que, se os deuses das montanhas fossem ótimos diretores de teatro, o Eiger não seria muito diferente do que é. Só faltavam os atores para uma grande tragédia do mais puro estilo.

Nessas tragédias e até a vitória, os alemães foram bastante ativos na conquista do Eigerwand e foi com justiça que conseguiram a primeira ascensão. É preciso dizer que o alpinismo alemão, tradicionalmente forte, estava muito ativo naquela época a tal ponto que as grandes façanhas foram largamente utilizadas como propaganda do governo nacionalista.

Descrição da via:

O Eigerwand pode ser dividido em 3 partes quase iguais em comprimento mas com certeza, não em dificuldade: O primeiro terço vai da base da parede (2200 m) até 2800 m. Não apresenta dificuldades. Hoje em dia os alpinistas nem usam corda para escalá-lo.

O segundo terço (até 3400 m) é formado por 3 bandas de neve sucessivas. Terreno sempre delicado, rocha instável e inclinação forte.

O final até o cume (3974 m) é um complexo sistema formado por rochas com muitos negativos e cortado ao meio pela banda de neve chamada "a Aranha".

A travessia Hinterstoisser:

Em julho de 1936, quando o forte escalador Andreas Hinterstoisser e 3 alpinistas de Munich e Innsbruck (Kurz, Angerer e Rainer, todos jovens e bem treinados) se reúnem em frente à parede, contavam-se 3 tentativas sérias, todas com final trágico. O "Ogro" já tinha uma reputação bem estabelecida de "comedor de homens".

Motivado por uma observação atenciosa da parede e confiando em seu instinto de alpinista, Hinterstoisser segue um itinerário totalmente inovador utilizando inteligentemente as fraquezas da parede. Por uma travessia oblíqua audaciosa (hoje chamada pelo seu nome) ele resolve de uma maneira magistral um dos pontos cruciais da via que consistia em atingir a primeira banda de neve. Mas essa façanha também representou a perda desses heróis: Porque - excesso de confiança ou erro de juventude - retirando a corda após a famosa travessia, os 4 se impediram um retorno.

Eles instalam o primeiro bivouac a 3200 m após 1000 m de ascensão. O dia seguinte nasce com sinais de tragédia: uma pedra atinge Angerer na cabeça, o que atrasa consideravelmente a progressão. Num terreno relativamente fácil, eles sobem só 300 m em um dia. O frio torna-se violento e este segundo bivouac é terrível.

No dia seguinte o tempo continua ruim e começa a nevar.

Para horror dos curiosos e jornalistas que observavam da Kleine Scheidegg, eles continuam subindo quando a única decisão razoável seria voltar ! Depois de 5 horas escalando e só 200 m de progressão, eles enfim tomam a única decisão correta. Mas é tarde demais e essa volta, vivida ao vivo e a cores pelos espectadores da Kleine Scheidegg, é dramática: Com um ferido, após 3 dias na face, neve caindo e um frio polar, eles progridem lentamente e mais uma noite de bivouac (o terceiro) é obrigatória.

De manhã o tempo piorou. Com muito esforço, horas e horas manipulando a corda rígida de gelo, sem comida e molhados até os ossos, eles conseguem chegar a travessia Hinterstoisser, e aí não tem como atravessar. O que levou 2 horas de trabalho intenso na subida quando Hinterstoisser estava em forma, torna-se impossível na descida devido ao cansaço e à película de gelo que havia encoberto todas as agarras. Hinterstoisser tenta e cai.

Neste momento eles estão a menos de 200 m do buraco da Jungfrojoch e escutam vozes dos socorristas. Enfim, vida... Mas a tempestade aumenta e mais um bivouac é necessário, desta vez fatal.

No dia seguinte, os socorristas conseguem se aproximar a 100 m dos alpinistas e descobrem que Hinterstoisser, Angerer e Rainer morreram sob uma avalanche de pedra. Só ficara o Kurz, sozinho, inatingível na parede. O seu equipamento foi levado para o abismo. A tempestade aumenta e os socorristas, em perigo de morte, voltam a se proteger no buraco. A noite cai.

De manhã, por mais incrível que pareça, Kurz ainda vive. Ele conseguiu recuperar um pedaço de corda e tenta descer até os guias que estão a 40 metros. Só falta passar um nó, que juntava dois pedaços de corda, pelo seu mosquetão. A 3 metros da vida, ele emprega as suas últimas forças nesta travessia. Tentou tudo mas estava muito fraco. E num grito, sucumbe.

Essa tragédia teve repercussões no mundo alpino inteiro. E o governo da Suíça chegou a interditar o acesso ao Eigerwand. Mas não contava com a determinação dos alpinistas. E no ano seguinte Vorg e Rebitsch de Munich, entre os melhores da época, atacam a parede. Com a experiência, eles deixam uma corda fixa na travessia Hinterstoisser para uma eventual volta. Rápidos, eles sobem até o fim do segundo terço quando a tempestade chega. Não existe outra opção. É preciso descer. Depois de mais de 100 horas na parede, os dois voltam à base da montanha, uma primeira ! Esse dia, o Eigerwand foi virtualmente vencido . Todos sabiam que 1938 traria a resposta do enigma da montanha.

Senhor Heckmaier:

Verão 1938: Os melhores estão de prontidão para ganhar a fama. Vorg continua na luta e se junta a Anderl Heckmaier, Rebitsch tendo partido para o Himalaia.

Heckmaier é um excepcional alpinista. Foi o primeiro a entender que o Eigerwand era uma face que apresentava a maioria das dificuldades do tipo glaciar e apenas algumas do tipo rochosa, e não o contrário. Ele convenceu Vorg a levar crampões com dentes frontais e uma boa reserva de pitões de gelo. Do ponto de vista do equipamento, isso foi a chave da vitória.

Com a experiência de Vorg do ano anterior e os dois em plena forma, eles atacam a escalada. Logo encontram e ultrapassam 2 austríacos, Harrer e Kasparek. Eles não estão tão bem preparados quanto os alemães. Mais estão determinados. No primeiro bivouac a 3400 m (o segundo para os austríacos), os 4 compartem uma plataforma minúscula.

No dia seguinte, eles resolvem continuar juntos, Heckmaier guiando. Enfrentando grandes dificuldades técnicas e por serem quatro, evoluem devagar. Mas a progressão é regular e à noite, a 3750 m, eles pensam ter vencido as maiores dificuldades.

Mas o Eigerwand é orgulhoso e não se deixa conquistar facilmente. A neve começa a cair no meio da noite e continua pela manhã. Na Kleine Scheidegg, a esperança se transforma em angústia. Na parede, as condições são terríveis especialmente as avalanches que caem com freqüência, ameaçando levar os alpinistas. Foi por sorte que nenhuma chegou a levá-los efetivamente. Heckmaier multiplica as acrobacias, cai várias vezes mais Vorg consegue segurá-lo. Uma pedra atinge Kasparek na mão. Só no final da tarde, durante uma tempestade, os 4 chegam ao topo, mais mortos do que vivos. Mas foi vencido o Eigerwand, e assim termina uma época: A época em que existiam nos Alpes faces que desafiavam os limites humanos.

Parte por causa da guerra e também por falta de protagonistas, foi preciso esperar 1947 para a segunda ascensão: A fulminante cordada francesa Terray e Lachenal, quebrando os recordes em 50 horas.

Ensinamentos:

Após esta conquista, ficou evidente que a velocidade não era apenas uma competição estéril entre os alpinistas. Ela representava, nessas vias expostas com retorno problemático, um elemento fundamental da segurança. As conquistas recentes no Himalaia em "técnica alpina" (contrariamente às "expedições pesadas"), decorrem diretamente dessas experiências.

Não foi possível contar todas as tentativas até a conquista nem as repetições marcantes. Uma pena, pois cada uma tem seu ensinamento, suas horas de glória e de drama. Basta dizer que até 1960 era preciso muita auto-confiança e sangue frio para enfrentar a parede. Ainda hoje, a face norte do Eiger, constitui um sério desafio para qualquer alpinista ambicioso. E isso aumenta ainda mais o respeito pelos pioneiros.

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GRAAL - CWL - Aspira

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